MANDATO POPULAR

MANDATO POPULAR

Memória e Aprendizado 

O fato é que a Pastoral da Juventude e simpatizantes tiveram a proeza de eleger um candidato pobre, fazendo uma campanha pobre, regada com muita arte e espiritualidade...

Em 2003, uma grande utopia começou a ganhar forma, em Riachão do Jacuípe, pelas mãos da Pastoral da Juventude que, desde 1999, passou a se inteirar melhor dos processos democráticos, com a refundação do Diretório Municipal do Partido dos Trabalhadores.

Já no ano 2000, os jovens da PJ participaram ativamente das campanhas históricas de Raimundo da Caixa, para prefeito, e de Adelson Gonzaga, para a Câmara Municipal, ao lado de outros tantos bons candidatos do meio popular. Na ocasião, a turma unida e festiva visitou comunidades e lares, em toda a extensão do município.

Eleger um vereador ou vereadora, dentro da proposta de mandato parlamentar coletivo, conforme os cadernos de formação pastoral, tornou-se meta prioritária da juventude jacuipense engajada e a isso se dedicaram ao máximo todos os que compartilhavam do mesmo sonho de equidade social para Riachão do Jacuípe e demais entes federativos.

De acordo com o que era previsto no material formativo da Pastoral da Juventude do Brasil, o candidato ou candidata pelo Mandato Popular seria definido por meio de eleição prévia, no âmbito das comunidades de base, e a consciência democrática do grupo era tamanha que as igrejas evangélicas também foram mobilizadas e algumas participaram do processo.

Até o dia da eleição prévia, eu não tinha nenhuma intenção de colocar meu nome para apreciação, junto com os demais, mas alguns companheiros de pastoral me estimularam bastante a fazer isso, possivelmente motivados por algumas habilidades verbais que eu apresentava e pela confiança que depositavam em mim, tanto quanto nos demais pré-candidatos. Resisti por algum tempo, porém compreendi que poderia desapontar aqueles que desejavam entusiasticamente que eu aceitasse o desafio e, de última hora, concordei em participar das prévias.

No cômputo geral de indicações por comunidade ∕ entidade civil, meu nome foi aprovado para ser o candidato a vereador do Mandato Popular, mesmo com Adelson Ferreira – outro pré-candidato, ao lado de Ana Isabel do Malhador – tendo obtido maior quantidade de votos individuais. Adelson Ferreira inclusive viria a ser eleito vereador, oito anos mais tarde.

A partir da eleição prévia, nos transformamos em espécies de peregrinos, com Elísio Guimarães à frente do processo, em que cada comunidade e uma quantidade de lares eram visitados, praticamente todos os dias.

Eu tinha imensa dificuldade para pedir votos, porque eu sentia que as pessoas pensavam que eu estava pedindo algo para mim, por conta de terem sido habituadas a espécie de candidatura personalíssima, a vida inteira, pelos políticos convencionais. Então era Raimundo, Elza, Luzia, Shodan, Ney, Elísio, Vital, Piaba, Neylor, Fábio dos Correios, Marquinhos da PJ, Mavione, Mário, Rubinho, Corró – que vem a ser justamente o pai do brilhante jogador Ramon – e tantos outros companheiros, dos bairros, povoados e das comunidades rurais que pediam votos para eu me eleger vereador e que tudo faziam para me ver bem e motivado a ganhar a eleição e com isso começar a superar o clientelismo político local.

Eu tinha acabado de retornar de uma experiência vocacional, como vocacionado interno, na Congregação dos Vocacionistas, em Vitória da Conquista. Não tinha as menores condições econômicas para custear gastos de campanha, nem me sentia à vontade para pedir ajuda à família, porque no fundo eu sabia que meus familiares preferiam que eu não me envolvesse em política, por conhecer a face mais desagradável desse meio. Eu não falava da conjuntura política em casa.

Assim, toda a campanha pobre foi custeada pelos parcos reais que cada companheiro ou companheira tirava do próprio bolso para abastecer o carro de som da paróquia, que fora cedido para a divulgação da candidatura coletiva, por se tratar de um projeto criado por uma pastoral paroquial. Isto nunca foi muito bem assimilado pelos membros do Conselho Paroquial de Pastorais que foram vencidos, no dia em que o projeto foi posto para votação pelo pároco Valnei Pamponet.  

Eu não trabalhava formalmente, na ocasião, dedicando-me integralmente às atividades pastorais, porque eu tinha retornado do Vocacionário com o ideal de organizar uma comunidade religiosa laica e este era o único grande interesse que eu possuía, na vida, naquele momento.

Em razão da minha postura ainda fortemente moldada pela religião, acabei dando lugar a certa noção equivocada de que interesses naturais e humanos eram completamente renunciados por mim, mas isso é uma espécie de autoengano e engano geral, muito comum nos ambientes religiosos.

As pessoas são indistintamente movidas por uma escala de necessidades legítimas que podem até ser renunciadas formalmente, mas, no íntimo, todos desejamos condição de vida mais digna, confortável e desejamos a autorrealização, o que, para cada um se dá de um modo diferente, mas nunca deixa de estar presente em nossos corações.

No meu caso, não se trata de desejo de riqueza, mesmo porque sou um crítico do capitalismo selvagem, mas de condições adequadas para realizar projetos que eu tinha em mente, mesmo falando pouco sobre o assunto.

Uma vez eleito, naturalmente essas questões surgiram, somando-se as minhas limitações humanas – comuns às pessoas em geral – àquelas limitações da comunidade eclesial que em parte me elegeu e que eventualmente idealizou a minha atuação parlamentar, com expectativa de que eu renunciasse à maior parte dos subsídios e alguns desejando que eu me portasse desse ou daquele jeito, que poupasse críticas a este ou àquele grupo e que fosse profundamente rigoroso contra este ou aquele outro.

Desse modo, as relações se desgastaram um pouco, mas, nada que possa me levar a guardar mágoa nem invalidar a relevância, o imenso valor da experiência que construímos e que, diferente do que se pensa, não é algo que se deve primordialmente a mim. Pelo contrário, como já dito, nem era minha intenção inicial candidatar-me. Não porque eu considerasse a política algo menor, mas porque eu reconhecia o meu próprio perfil introspectivo, que certamente dificultaria a campanha e algumas atividades inerentes à vida pública.

O fato é que a Pastoral da Juventude e simpatizantes tiveram a proeza de eleger um candidato pobre, fazendo uma campanha pobre, regada com muita arte e espiritualidade e, ao final de todo o processo, encerrei um mandato parlamentar, sem enriquecer ilicitamente, recusando-me a participar de farras com dinheiro público, ou de qualquer negociata destinada a evitar o cumprimento de minha função fiscalizadora, que aliás foi a que me trouxe maior perseguição sutil e sorrateira, levando-me a experimentar contrariedades que boa parte das pessoas mal supõem.

Este relato histórico, entretanto, não é para disseminar amargura ou arrependimento. Olhando para trás, reconheço o que eu teria feito melhor, se dispusesse, na época, dos conhecimentos que desenvolvi até aqui, mas fizemos muito. Abolimos o voto secreto em todas as votações da Câmara Municipal, reduzimos as longuíssimas férias dos vereadores, aprovamos projetos para promover a Educação e a Cultura, indicamos ao prefeito e aos órgãos diversos, do Estado e da União, dezenas de ações para benefício do povo, que raramente foram atendidas, mas indicamos.

Então aqui temos um relato para compartilhar aprendizagem de vida e para celebrar a utopia, a boa vontade, o afeto e as conquistas de uma turma inspirada nos aspectos mais belos da existência humana, gente que sonhou e realizou, mesmo que a realidade fique sempre aquém da utopia, justamente para que ela siga existindo e nós sigamos encontrando razões para caminhar, ainda quando tudo pareça desanimador.

José Avelange Oliveira Mota